terça-feira, 21 de abril de 2009

Sete Cantigas Para Voar

Na janela do trem ele apoiou as mãos trêmulas. O chapéu de palha bem surrado pelos anos que já se passaram. As roupas simples de pano sem marca. Ele não tem e-mail, nem celular, nem nada. Sentou sobre as sacas cheias de sementes que levava. Feito criança olhou ao seu redor e sorriu! Um sorriso cheio de doçura. Eu sorri também. Lembrei algo antigo sobre minha infância.

Cantiga de campo
De concentração
A gente bem sente
Com precisão
Mas recordo a tua imagem
Naquela viagem
Que eu fiz pro sertão
Eu que nasci na floresta
Canto e faço festa
No seu coração
Voa, voa, azulão...


Sua casa deve ser toda simples. No alpendre o balanço da cadeira. Os móveis bem gastos e o fogão de lenha. A manhã não chega com o despertador. Vem devagar com o sussurro da natureza. O canto dos pássaros. O aviso do galo. O chuvisco e o balançar das árvores. O barulho do rio cheio que corre livre. O cheirinho do café e do pão de milho.

Cantiga de roça
De um cego apaixonado
Cantiga de moça
Lá do cercado
Que canta a fauna e a flora
E ninguém ignora
Se ela quer brotar
Bota uma flor no cabelo
Com alegria e zelo
Para não secar
Voa, voa no ar...


As portas se abrem na estação. Braços fortes levam suas sacas. Ele apenas caminha em seu ritmo. Calmo, mas ainda vigoroso. Fui até a janela e observei ele seguir pela estrada enquanto o trem apressado partia. Espero que ele chegue bem ao seu destino. Espero chegar também! Com paciência alcançar tudo aquilo que anseio de mim hoje. Até lá... vou na velocidade que dá. Buscando sempre as coisas simples que me fazem tão bem. Deve sempre haver tempo para não correr... tempo para viver, respirar, sorrir e caminhar.

*Uma forma singela de agradecer a Vital Farias e Geraldo Azevedo por tantas tardes de domingo onde eu, criança, ouvi meu pai por longas horas cantar junto a radiola antiga. Obrigado pai por me ensinar tantas coisas.

domingo, 19 de abril de 2009

Rito de Passagem Silencioso e Invisível

Foi por onde essa loucura começou
Pela lúcida palidez do teu olhar
Estou pronto para o mundo que gira sob meus pés
O peito aberto mostra o coração laçado pelo ódio
Um pesadelo para ser lembrado eternamente

Eu não sei onde tudo aquilo foi parar
Rito de passagem silencioso e invisível
Era tudo que se bebia dessa boca amarga
Pelos muitos espelhos que atravessei
Quando vi os teus olhos se encherem d’água

Sob a ponte corre o rio feroz
Ignorei o teu olhar e mergulhei
Agora é o reino das águas violentas
Uma onda de devastações tempestuosas
Quero me afogar... então me devore... me consuma... por favor!!!

A tempestade é o meu elemento
Estou ao teu alcance por querer me entregar
Tua loucura e paixão única e rara
Você dança e se deixa levar como eu
Na noite passada eu fui todo seu

Espero que nadie sabe quienes somos ... que no hay otra vez entre nosotros ... que todas las pérdidas que se sienta ... Me tiro para su inspiración en el mar ... Yo estaba en los brazos y tu siempre lo que quieres ... Quiero ser tu secreto ... Quiero borrar el fuego y me tire en el mar ... estar en su ... en mis ojos ... se une a mis palabras a sus líneas ... ser eterno como el mar...


Eu me enrolei no manto do teu perfume
Feitos de carne viva por um único momento
As palavras roucas e doces que você me disse
Pela janela contemplando o trovão e o mar
Você que de tão longe veio para me encontrar

Silencioso e invisível segredo impossível
Sobre o rochedo esperei um novo sol
Almas perdidas de outra vida sem paz
Acordamos uma nova e preciosa vida
Não diga adeus e não olhe pra trás

Sonho de almas não encarnadas
Em outras vidas em outro mar
Por que não somos iguais a nada
Nem quando o espelho pode te contar
Agora sei o que serei em outra vida para te encontrar

Querdio es único y raro
Así que me sentí
Yo era su amante todas las noches
No puedo creer
Quiero que para la eternidad
Pero vamos a dejar
Cuando te vi y me apainonei
Hasta la otra vida
Cuando reencarnar

segunda-feira, 13 de abril de 2009

No Ministério das Almas Perdidas

A tempestade veio como um açoite de aço
Caiu como uma tormenta sobre minha alma perdida
O uivo e o trovão agitaram os mares do meu coração
A onda tenebrosa e colossal que tragava toda esperança
Era a revolta de um deus poderoso e vingativo
Navegava astronauta solitário em um mar de estrelas
Mar a dentro e além na procura por uma praia de águas mornas


Mas o abismo da vastidão rompeu as âncoras e me levou para as profundezas
No ministério das almas perdidas despertei sobre o lado claro da lua
E descortinei um véu mais escuro e profundo que toda falta de luz
Algo turvo. Luto. Preto. Negro. Noturno. Onde o absurdo era lúcido
Caminhei para além dos horizontes verticais que outrora contemplava
Adeus amada criança que nasce sem a pureza de um novo dia
Porque lambuzamos os dedos e lambemos os lábios da boca que amargava


Encontrei o set de controle do sol e arranhei a face do meu criador
Fui banido para os confins do além onde as estrelas são estranhas
Encontrei a redenção de uma boca que proferiu a beleza e o horror
Jurei pela luz dos teus olhos que não te abandonaria jamais
Estende agora a tua mão para o além e proclama a verdade que você esconde
Além da vida e do impossível que se converte em palavras que só eu sei ler
Há uma razão na loucura e na loucura a razão do que não se pode ver


Deserto de pedras por onde meus antepassados caminharam
Vago agora distante como eremita para me perder e te encontrar
Contemplo a torre que risca o céu como Babel não pode imaginar
Escalei as escadas para alcançar a porta do infinito onde o oráculo aguarda
Soube fazer frente aos mais profundos medos para aprender a cair e recomeçar
Quando pensei que não... descobri que sim
Quando me julguei sábio... comecei a errar


No oitavo ano percebi das alturas um mundo pequenino
O palácio das estrelas resplandecia no céu da minha boca que cantava para o vácuo
Lentamente a última sonda da aventura humana atravessou o espaço
Como um pequeno príncipe lacei o cometa para alcançar a porta do juízo
Eis que o senhor tratou de me ensinar que a estrada existe para ser trilhada
Caí por dias incontáveis até ser recebido pela terra com o conforto do aço
Vi a tua beleza ser levada pelos anos enquanto sonhava e esperava ser amada


Das alturas veio a risada de um oráculo louco que sempre me aguardava
Você realmente pensa que preciso de você para dormir em paz?
Calcei novamente o primeiro de muitos degraus pelos anos de uma lúcida loucura
E a ternura foi a chave de toda porta fechada pelas correntes da arrogância
A paciência foi o relógio que lutou lentamente contra o teu orgulho
O silêncio foi a palavra usada contra teu discurso venenoso e insensato
O amor foi escudo para todas as coisas que não fiz questão de defender


Ao fim de uma eternidade alcancei o último degrau e a casa do oráculo
O fim de um caminho e de uma vida que esgotei por me demorar em escolhas
Recebi a chave para a última porta que me atravessava o coração
No ministério das almas perdidas eu me encontrei e aprendi o que não posso contar
Espero que você entenda... não sou o mesmo pois sou único a cada dia
Ontem fui outro por não ser o mesmo que hoje se levanta
Acontece que me visto com a mesma pele... e com uma nova esperança

domingo, 5 de abril de 2009

Paradoxavelmentediagnósticavel

Azul e preto oceano profundo
Doce sussurro rouco capaz de matar
Milhões de cordas vibrando e cortando
Eco e reverberação de um Nostradamus louco
Agulha suave nas notas de um piano sem mãos
Não sei como responder seu olhar frio e sincero
A poeira sobre os móveis da sala negociando com o espanador
Caixas e números sobre as asas de um contêiner de vidro
E a loucura vai escalando as mãos do último sargento vermelho
Eu que não soube te amar joguei o meu grito contra o mar
O sangue é branco é a retina que enrubrece
O dragão voa sobre as tuas costas nuas
A coisa é a coisa da coisa sem nome abstrato
Dinheiro que paga os centavos amassados
Ela dança quadro a quadro no quadro da parede
Caixa quadrada de cantos arredondados como uma esfera
Respira e inspira pelos mesmos anos que pode viver
Vitrola e rede sem fios por onde escorre o download
Pinga lento sobre a lente leve da última anistia
Morde meu olho porque meu coração não suportaria
Inimaginável fantástico sobre a cama que se deita sobre mim
A mentira que não sabe caminhar como verdade disfarçada
Casa da última nuvem de aço que não soube cantar o vento
Décima segunda e vigésima quarta é a mesma de muitas oitavas
Sinto você se perder na loucura que não pode ler
Se for de baixo pra cima talvez não faça sentido
Melhor que um labirinto feito de apenas um único e singular caminho